quinta-feira, abril 12, 2012

Meus dias de rock’n roll – Parte 2

É preciso ler a parte um para entender.

Não terminamos a música em um dia, mas conseguimos fazer alguma coisa. O Miltão – ele sempre foi o músico mais habilidoso da banda, mas naquela época todos éramos muito ruins – fez arranjos legais na música. O título era “Eu vou fazer um rock’n roll” e era um punk bem legal de ouvir. Esse som deu vida aos Strikes Flythers e os covers também foram melhorados: ainda tocávamos Ramones e incluímos Sex Pistols, Clash, Garotos Podres, Ratos do Porão, The Stooges, Led Zeppelin, Black Sabbath e muitas outras bandas de rock nacional e internacional. Nossos pais já estavam putos com isso, afinal a gente mal parava em casa pra estudar e só ia pro cursinho pra ver as meninas e tomar cerveja. Por isso, comecei a trabalhar num comércio do meu tio na Avenida Sete. 

Trabalhava como vendedor de uma pequena papelaria, em uma das galerias já próximas ao relógio de São Pedro. Odiava ficar a tarde inteira – era só um turno – na busca por classificadores, cadernos, lapiseiras e embalar pacotes para clientes chatos que sempre falavam “Deus te abençoe” ou “Deus te pague”; eu esperava que isso aumentasse o meu salário, mas Deus nunca operou nele; pelos menos ganhava uma grana a mais pra pagar parte do cursinho e investir na banda.

Depois que criamos o nosso primeiro single, gravamos uma demo e começamos a espalhar em algumas produtoras e selos undergrounds de Salvador. Eu vou fazer um rock’n roll, segundo Lima, “tinha uma alma rebelde e irresponsável de um bando de porra desocupado”. Ficamos meses sem conseguir uma gravadora, mas foi tempo suficiente para cinco músicas nossas aparecerem: Matilde, maldita! – Matilde era o nome da empregada do Cabron que tirou a virgindade dele. Ela era tão feia, que tinha que ser mucho cabron para encarar aquilo -; Rock de busu – essa era uma homenagem ao ônibus lotado, de todo dia, que todos nós pegávamos pra ir pro centro-; Aconteceu na Piedade – essa história foi da vez que o The Dogs tava tão bêbado que recebeu um boquete da Dona Virginia. Esse episódio ficou conhecido como “o boquete secular” -, Minha mãe faz rock’n roll – é uma continuação de “Eu vou fazer um rock’n roll”- e “A gata do fundo da sala”. Essa letra eu que fiz; tinha conhecido a Lisandra no cursinho e me apaixonei por ela; os cabelos cacheados e pretos, os olhos castanhos escuros, a bunda, o decote… Fiquei louco quando a vi entrando no cursinho; não demorou muito a chamei pra sair e ela aceitou. Quando a gente já tava com um mês de “ficância”, compus uma canção pra ela. Tiro certo: toquei essa música no nosso último encontro, antes do nosso show em Camaçari, e na volta ela já tinha colocado no status do Orkut dela “namorando”.

Nessa apresentação, éramos a banda menos conhecida da setlist e estávamos apreensivos; o Cabron vomitou, o Miltão queimou o dedo ascendendo o cigarro, eu não parava de ir ao banheiro mijar e o The Dogs teve uma baita caganeira; mesmo assim o público gostou dos covers, fez head bang, gritou quando acabamos de tocar "Eu vou fazer um rock’n roll" e pediram bis; as pessoas queriam comprar nossos cds e saber se tínhamos contato e quando voltaríamos a Camaçari; a única reclamação foi o nome da banda. “É mais difícil de falar do que pegar busu em Mussurunga depois de 23h30”, gritou algum bebum perdido na frente do palco. Um mês depois do “show menos esperado se tornar o melhor da noite” – essa frase foi escrita por um cara que esteve no show em Camaçari e que postou o comentário no nosso My Space e decidimos mudar o nome da banda – Strikes Flythers era muito feio e uma um trava língua do caralho -. Já era inicio de março e o carnaval já havia passado; nos demos um recesso para descanso. Todos perderam nos seus vestibulares e só a Lisandra passou em enfermagem na Uneb; todos da banda trabalhavam e começamos a comprar instrumentos novos. Nesse meio tempo, não conseguíamos dar um nome novo para banda.

Já era meio de março de 2006, e nada: a banda ainda era Strikes Flythers, estávamos de volta ao cursinho, faltavam duas semanas para entrarmos em estúdio – conseguimos um selo de peba quem nem o roqueiro mais underground de Salvador sabia o nome – e decidi procurar meu carro, pois o meu pai já dizia tava na hora de “fazer valer” o meu salário e parar de gastar com farra e música – e também ele não me dava mais o carro pra sair com a Lisandra. Comecei a sair com os caras da banda pra procurar um “calhambeque” que eu pudesse pagar: rodamos a Rótula do Abacaxi, Itapuã, Barros Reis, ACM e nada. Procurei por dias e não conseguia achar nada que pudesse pagar. – Porra Jota, desista! – esse era o coro dos rapazes.

Então num sábado, faltando poucos dias para começar a gravação do disco e ainda sem nome novo pra banda, eu, o The Dogs e o Miltão decidimos aproveitar o de folga e ir tomar uma cerveja no Tororó; íamos a pé do Largo de Nazaré e já estávamos na frente da Escola Técnica, quando o The Dogs viu uma placa de “vende-se esse carro” logo em frente; era um Fiat 147 velho e com um vermelho apagado, pedaços de ferrugem na lataria, vidros laterais traseiros rachados, pneus um pouco gastos; o prórpio The Dogs falou que o carro era “muito trevoso”. O preço era compatível com o que eu poderia pagar e comecei a pensar na Lisandra, na ida aos shows, na não dependência de carro pro meu pai, não pegar mais busú; pensei que se eu desse meu dinheiro pra esse carro fodido, eu ficaria com dívidas por causa dessa merda. Mas o Miltão – sim, ele sempre salvou a banda e seus integrantes de momentos complicados – parou e disse:

- Man! É isso! É isso porra! E toma tua latinha aí! – falava empolgado. Tomei um gole da breja e ela tava geladinha.

- Que é porra?! Fala caralho!

- Careca Trevoso! Esse é o novo nome da banda em homenagem ao teu carro!

- E eu acho que o nome do carro podia ser Trevoso! – falou empolgado o nosso especialista em receber boquetes de velhas prostituas.

- Careca Trevoso… Por que esse nome? E como assim meu carro? – perguntei pro Miltão com a voz um pouco abafada, pois tentava ascender o cigarro, meio recioso com a reposta.

- Por causa desse pneu que está quase careca e, vamo ser sincero… Esse carro é a treva man, mas combina com tua largação toda!

Fui falar com o dono do carro – um senhor com seus quase 70 anos, aposentado, que havia levado filhos, netos e bisnetos para vários lugares no carango fodido – que olhava pra mim sentado num banquinho de madeira e não dizia nada, só “hum”; falei sobre meu interesse, perguntei sobre o carro e tudo que ele respondeu era: “com um copo de cerveja tudo se resolve”; paguei a cerva, bebemos juntos, fumamos cigarro juntos; falamos sobre o BaxVi, transporte público, metrô – não deixava de ser piada naquela época -, trabalho, casamento – ele era casado a 40 anos e nunca traiu a esposa-; começamos a conversar sobre o carro e ele logo disse que ia se mudar e ia vender a lata velha pra poder ter mais dinheiro para sair o mais rápido possível “dessa merda que é Salvador”. Combinamos que eu pagaria em dez prestações e que a partir do segundo pagamento, depositaria o valor na conta dele. E assim, eu consegui ter o meu primeiro carro: meu Fiat 147 ou melhor, o carro da banda, o Trevoso.

Apresentei o carro a Lisandra e no mesmo dia, transamos nele – no estacionamento do Shopping Center Lapa -. Ela adorou e disse que o empurraria, em qualquer ladeira, sem problemas; fiquei impressionado em ela não ter terminado o namoro ou ter me jogado na frente de um ônibus. O meu pai foi só reclamação: pra ele o carro era uma merda e eu ia gastar mais do que me divertir nele – o que provei o contrário, pois me diverte muito nos anos que usei aquele pedaço de aço de ferro velho.

A ex-Strikes Flyther estava em estúdio com gás novo, instrumentos novos, estúdio novo, produtor velho – o Lima decidiu nos produzir, pois ele já “conhecia aquela merda mesmo” – e nome novo: os Carecas Trevoso. Salvador ia começar a se preparar pra ver a novidade do rock em ação.



Sanção Maia
11/04/12

Publicado também no Blog do Cafeína Zine.

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